quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Grécia: Primeiro conselho de ministros do novo Governo



O chefe do executivo grego, Alexis Tsipras, disse durante o primeiro conselho de ministros que o novo Governo “de salvação social” deve “acabar com o clientelismo político e a corrupção” e aplicar “reformas que não puderam ser feitas em 40 anos”.

“Provaremos que Cassandra está errada. Não vamos entrar num confronto destrutivo para ambos, mas não iremos continuar com uma política de catástrofe e de submissão. A renegociação da dívida grega terá em vista uma solução viável, justa e mutuamente benéfica”, disse o primeiro-ministro grego.

Outro dos pontos-chave do programa do Governo de Tsipras consiste num pacote de medidas de urgência para melhorar a situação dos mais carenciados, incluindo o fornecimento gratuito de eletricidade a 300 mil casas de famílias desfavorecidas.

Fonte: De Fernando Peneda | Com LUSA - EURONEWS

Descoberta de Auschwitz foi surpresa, diz libertador ucraniano do Exército soviético


Estima-se que pelo menos 1,1 milhão de pessoas tenha morrido no campo de concentração de Auschwitz, libertado há 70 anos
Havia um cheiro tão forte que era impossível aturar por mais de cinco minutos. Meus soldados não conseguiam suportá-lo e me imploraram para que fôssemos embora. Mas tínhamos uma missão a cumprir".
Foi assim que Anatoly Shapiro, o primeiro oficial do Exército soviético a entrar em Auschwitz, o notório campo de concentração, descreveu suas primeiras impressões sobre o que encontrou em 27 de janeiro de 1945.
Há 70 anos, nos últimos estágios da Segunda Guerra Mundial, tropas soviéticas avançaram até Auschwitz-Birkenau, um complexo de campos de extermínio localizado em território polonês.
O major ucraniano Anatoly Shapiro liderou o pelotão do exército soviético que libertou Auschwitz, mas o que encontraram chocou
Shapiro, então com 32 anos, foi quem abriu os portões do campo principal. O batalhão que comandava libertou os primeiros 500 prisioneiros.

Fonte: BBCBrasil

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

O naufrágio do Estado mexicano


Tráfico de drogas, assassinatos, extorsão e, cada vez mais, administração pública. A participação de organizações criminosas no Estado mexicano parece não ter limites. O massacre de 43 estudantes em setembro catalisou a cólera da população.
por Rafael Barajas e Pedro Miguel


Quando, num país, um grupo de policiais detém 43 estudantes, desaparece com eles e os envia a um grupo criminoso organizado ligado às drogas para que este, à guisa de “lição”, os assassine, uma constatação se impõe: o Estado se transformou em narco-Estado, um sistema em que o crime organizado e o poder político são a partir de agora indissociáveis.
Quando essas mesmas forças da ordem metralham estudantes, matando seis e ferindo gravemente outros seis; quando elas se apoderam de um desses jovens, lhe arrancam a pele do rosto, tiram os olhos e o deixam estendido na rua para que seus colegas o vejam, outra evidência aparece: esse narco-Estado pratica uma forma de terrorismo.
Tudo isso aconteceu no sul do México, em Iguala, terceira cidade do estado de Guerrero. Ali, a polícia agrediu brutalmente um grupo de estudantes da Escola Normal Rural de Ayotzinapa e, a se acreditar nos testemunhos atualmente disponíveis, os conduziu para a morte. José Luis Abarca, prefeito de Iguala, e sua mulher, María de Los Ángeles (ligados a um cartel da região), suspeitos de serem os instigadores da operação, foram presos na terça-feira, 4 de novembro.
As escolas normais rurais, fundadas há oito décadas, têm por objetivo difundir um ensino de qualidade no campo oferecendo a jovens educadores, oriundos do meio camponês, a possibilidade de melhorar suas condições de vida. Esse duplo objetivo, herdado da Revolução Mexicana (1910-1917), enfrenta com força total o modelo econômico neoliberal, introduzido no país nos anos 1980. Segundo a lógica a ele subjacente, a educação pública freia o desenvolvimento do mercado do ensino, enquanto o campo abriga intoleráveis maus odores do passado (comunidades indígenas ou pequenos agricultores que entravam a expansão da agroindústria da exportação). Eis o motivo pelo qual as escolas normais rurais que sobrevivem no México, quinze ao todo, estão constantemente expostas à hostilidade, o que pode ser medido ao mesmo tempo pelos cortes orçamentários que sofrem e pela maneira como são mostradas pelos meios de comunicação e pelos dirigentes políticos: “viveiros de guerrilheiros”, segundo a ex-secretária-geral do Partido Revolucionário Institucional (PRI) Elba Esther Gordillo;1 refúgios “de gente delinquente e que não serve para nada”, em um debate na rede Televisa (1o dez. 2012); e, nos últimos tempos, “tocas do crime organizado”, para o jornalista Ricardo Alemán (El Universal, 7 out. 2014).
Tal como seus colegas das outras escolas normais rurais, os estudantes de Ayotzinapa lutam para assegurar a sobrevivência de sua instituição. Eles completam os magros subsídios do Estado – o equivalente a R$ 91 milhões anuais para cobrir os custos ligados a formação, alojamento e cobertura médica de pouco mais de quinhentos estudantes, quarenta formadores e seis empregados da administração – por meio de coletas de fundos. Em 28 de setembro de 2014, os estudantes de Ayotzinapa tinham ido a Iguala precisamente para realizar uma dessas coletas, quando foram sequestrados.
Eles teriam sido atacados com a fúria que os cartéis utilizam em relação a seus inimigos. Uma testemunha ocular – um policial – revelou que, apesar de feridos, os 43 estudantes teriam efetuado longos trajetos a pé, para, no final das contas, serem espancados, humilhados, regados com diesel e queimados vivos. Os corpos teriam se consumido durante 14 horas, até que só restassem cinzas, pequenas pontas de ossos e dentes.
Ainda que nós, mexicanos, estejamos habituados a informações chocantes (decapitações, execuções, torturas etc.), a indignação despertada por essa história não diminui. A certeza de que ela revela uma forma de terrorismo que emana de um poder no qual se misturam cartéis e líderes políticos coloca questões angustiantes: qual é a extensão do narco-Estado no México? Qual é a verdadeira amplitude da repressão política que ele coloca em ação?
O narco-Estado levanta um problema estrutural: o dinheiro da droga irriga a economia mexicana. Um estudo norte-americano e mexicano sobre os bens ilícitos, publicado em 2010, estima que a cada ano os cartéis transfiram entre US$ 19 bilhões e US$ 29 bilhões dos Estados Unidos para o México.2 Segundo a agência de segurança Kroll, essa cifra oscilaria entre US$ 25 bilhões e US$ 40 bilhões.3 O narcotráfico constituiria então a principal fonte de divisas do país, à frente das exportações de petróleo (US$ 25 bilhões) e das remessas de dinheiro de residentes no estrangeiro (também US$ 25 bilhões). Esse maná alimenta diretamente o sistema financeiro, coluna vertebral do modelo neoliberal. Secar a fonte conduziria ao colapso econômico do país. Em outras palavras, o México repousa sobre uma narcoeconomia, a qual não pode se manter sem a pilotagem adaptada de um narco-Estado.

Traficantes em campanha
Essa aliança entre o mundo político e o da droga se estende por todo o território. Em regiões inteiras – os estados de Sinaloa, Chihuahua, Michoacán (leia a reportagem na pág. 17), Guerrero, Tamaulipas, Veracruz e Oaxaca –, os cartéis fazem a lei. Eles impõem funcionários públicos, chefes de polícia, negociam com governadores. Pouco importa a filiação política dos representantes do Estado, a autoridade permanece nas mãos do crime organizado. Há algumas semanas, um vídeo divulgado pelo cartel dos Cavalheiros Templários mostrava Ricardo Vallejo Mora, filho do ex-governador de Michoacán, conversando tranquilamente com Servando Gómez Martínez, conhecido como “La Tuta”, o chefão da organização criminosa que grassa naquele estado.4 Nessas regiões, o crime reclama suas cotas, extorque, sequestra, estupra e mata em total impunidade. Os cidadãos vivem um inferno em comparação com o qual as alucinações de Hieronymus Bosch se parecem com desenhos para crianças. Em certos estados, surgiram milícias cidadãs de autodefesa.
Hoje existe uma grande quantidade de indicadores que demonstra que o narco-Estado gangrena as altas esferas da classe política. Nenhum partido nem região escapam a ele, sobretudo os mais importantes: o PRI, no poder, o Partido de Ação Nacionalista (PAN) e o Partido da Revolução Democrática (PRD). Os narcotraficantes não podem agir sem a cooperação dos homens políticos e dos funcionários públicos de todos os níveis. Durante as eleições, o dinheiro desempenha o papel de grande eleitor, além de as campanhas oferecerem um meio eficaz de lavar capital.
O caso do presidente Enrique Peña Nieto, do PRI (no poder desde 2012), preocupa particularmente. Nenhuma prova direta permite estabelecer seus laços com o crime organizado. No entanto, durante sua campanha, uma das mais onerosas da história mexicana, uma parte da imprensa revelou operações financeiras nebulosas, que se elevavam a milhões de dólares.5 O escândalo fez grande barulho no México, mas a “comunidade internacional” manteve o silêncio. Não se dispõe de instrumentos que permitam medir a totalidade dos custos gerados por Peña Nieto para ganhar a presidência em 2012. Em 5 de novembro de 2014, porém, uma comissão legislativa estabeleceu que o PRI tinha gasto mais de 4,5 bilhões de pesos (cerca de R$ 850 milhões, treze vezes o teto fixado por lei).6 A comissão não pôde investigar um bom número de operações ocultas, com as quais a soma com certeza teria sido superior. Oficialmente, ninguém sabe de onde provém esse dinheiro, o que preocupa num país gangrenado pelo narcotráfico. Especialmente porque, nos diversos territórios dominados pelo crime organizado, os cartéis locais apoiaram ativamente o PRI.7


Durante sua campanha, Peña Nieto prometeu lutar contra o narcotráfico, assegurando que os primeiros resultados se fariam sentir ao final de um ano. Isso foi há três anos. Muitos, entre os eleitores, esperavam que a política do PRI fosse mais eficaz que a de seu predecessor, mas o plano de segurança de Peña Nieto quase não difere do de Felipe Calderón: é Washington que impõe sua própria doutrina em termos de segurança. E os assassinatos continuam. Órgão do governo federal, o Sistema Nacional de Saúde Pública (SNSP) registrou, ao longo dos vinte primeiros meses do governo de Peña Nieto, 57.899 inquéritos preliminares sobre homicídio doloso.8
A violência perpetrada pelo crime organizado tende a relegar a segundo plano aquela exercida pelo Estado, que não é negligenciável. O governo afirma que Ayotzinapa é um caso isolado. Os mexicanos têm boas razões para pensar que não é, de forma alguma.
Quando era governador do estado do México, Peña Nieto ordenou, em 2006, a repressão dos habitantes de San Salvador Atenco, que havia anos se opunham à desapropriação de suas terras para a construção de um aeroporto. Durante essa operação, as forças da ordem cometeram inúmeras violações dos direitos humanos ainda impunes, notadamente múltiplas agressões sexuais contra as detentas.
Desde que Peña Nieto assumiu o poder, as prisões estão repletas de pessoas cujo único delito foi ter lutado por seus direitos, suas terras, seu patrimônio, e defendido sua família contra as agressões do crime organizado. Em agosto de 2014, o comitê Nestora Libre, uma associação de defesa de presos políticos, assinalou que desde dezembro de 2014 ao menos 350 pessoas tinham sido presas por motivos políticos.9 Em Michoacán, foi preso o doutor José Manuel Mireles, fundador de uma milícia de autodefesa contra o crime organizado, e 328 membros de seu grupo. No estado de Guerrero, a líder indigenista Nestora Salgado, treze policiais comunitários e quatro líderes populares que se opuseram à construção da barragem de La Parota foram colocados atrás das grades. Em Puebla, 33 pessoas apodrecem na prisão por terem feito oposição à construção de uma central termelétrica excessivamente poluidora. Na Cidade do México, em Quintana Roo, em Chiapas e em muitos outros estados, não se contam mais os prisioneiros políticos. No estado de Sonora e em Chiapas, cidadãos que se opunham à privatização da água foram encarcerados, tal como aqueles que pediam fertilizantes.

Um caso isolado?
Desde o início do mandato de Peña Nieto, as forças da ordem recorreram a práticas típicas da “guerra suja”, a repressão política na América Latina dos anos 1960 a 1980. Nepomuceno Moreno, membro do Movimento pela Paz com Justiça e Dignidade, foi torturado e assassinado no estado de Sonora quando participava de uma caravana pela paz. Em Chihuahua, sicários assassinaram Ismael Solorio e Manuelita Solis, que defendiam os recursos hidráulicos de sua região atormentada pelo apetite das companhias mineiras canadenses. No estado de Sinaloa, assassinaram Atilano Román, dirigente de um movimento de pessoas deslocadas pela construção da barragem Picachos. A lista é interminável...
As atrocidades cometidas em Iguala estimularam a cólera social. Esta se manifesta agora no seio de setores da população tradicionalmente apáticos e ameaça de maneira inédita a sobrevivência do regime. Nenhuma das armas tradicionais do arsenal do PRI –cooptação, midiatização, infiltração, provocação, difamação – conseguiu contê-la. Ao contrário, as tentativas de comprar o silêncio das famílias, os esboços de repressão, as incitações a atos de violência,10 a campanha realizada contra Andrés Manuel López Obrador, principal dirigente da oposição de esquerda, com o objetivo de lhe atribuir a responsabilidade pelas violências perpetradas contra os estudantes, e o coro dos meios de comunicação dominantes insistindo em defender a figura do presidente estimularam a cólera da população e exacerbaram seu desejo de mudança.
Em 10 de novembro, o movimento criado em torno dos estudantes e de suas famílias levou a uma ação sem precedentes: o bloqueio, durante mais de três horas, do aeroporto internacional de Acapulco (no estado de Guerrero), destino turístico tradicional do país. Tudo leva a pensar que outras ações vão se suceder a essa, tendo como alvo outros aeroportos ou as autoestradas mais importantes da região.
O poder insiste em afirmar que Ayotzinapa é “um caso isolado”. O procurador-geral da República, Jesús Murillo Karam, repetiu isso no dia 7 de novembro, por ocasião de uma coletiva de imprensa, quando lhe perguntaram se ele considerava que os fatos significavam um crime de Estado. “Iguala não é o Estado”, respondeu. De fato, Iguala não é o Estado. Mas o que aconteceu na cidade de Guerrero revela aquilo que ele se tornou.

Rafael Barajas e Pedro Miguel
*Rafael Barajas e Pedro Miguel, jornalistas, são, respectivamente, caricaturista e escritor.


Ilustração: Lollo

1  La Jornada, México, 6 ago. 2010.
2  John T. Morton, “Binational study of illicit goods” [Estudo binacional de mercadorias ilícitas], Departamento Americano de Segurança dos Sem-Teto, Washington, 3 jun. 2010.
3  Citado por Roberto González Amador em “Mueve el narco 40 mil mdd en México” [O narcotráfico movimenta US$ 40 bilhões no México], La Jornada, 1o out. 2009.
4  “La cumbre Vallejo-La Tuta” [A cúpula Vallejo-La Tuta]. Disponível em: www.youtube.com.
5  Roberto González Amador e Gustavo Castillo García, “Indicios de lavado de dinero con las tarjetas de Monex” [Indícios de lavagem de dinheiro com os cartões da Monex], La Jornada, 12 jul. 2012.
6  “Caso Monex: PRI gastó más de 4 mil 500 millones de pesos en campaña de 2012”, [Caso Monex: o PRI gastou mais de 4,5 milhões de pesos na campanha de 2012], Aristegui Noticias, México, 12 mar. 2012.
7  Cf., entre outros, “Denuncian amenazas del narco en Chihuahua para votar por el PRI” [Denúncias de ameaças do narcotráfico em Chihuahua para votar pelo PRI], Proceso, México, 4 jul. 2012.
8  “Los muertos con Peña llegan a 57 mil 899 en 20 meses; son 14 mil 205 más que en el mismo periodo de Calderón” [Os mortos com Peña chegam a 57.899 em vinte meses; são 14.205 a mais que no mesmo período de Calderón], 25 ago. 2014. Disponível em: www.sinembargo.mx.
9  Verónica Macías, “Denuncian más de 300 presos políticos en gobierno de Peña” [Denúncia sobre mais de trezentos presos políticos no governo Peña], El Economista, México, 20 ago. 2014.
10    Sábado, 8 de novembro, um grupo de supostos “manifestantes”, visivelmente protegidos pela polícia, tentou colocar fogo no Palácio Nacional, sede do poder executivo federal no México.
01 de Dezembro de 2014
Palavras chave: México43tráficoestudantesAyotzinapaGuerrerodrogaspeñaNieto

acesse: http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=1773

Petróleo, moedas, finanças, sociedades, Médio-Oriente: A grande tempestade no Ocidente!

por GEAB [*]
Há já quase dois anos, combinando diversos ângulos de abordagem (especulativos, geopolíticos, tecnológicos, económicos, estratégicos, monetários…), que insistimos na antecipação de uma crise maior de todo o setor petrolífero. Hoje, mais ninguém duvida que acertámos e que o GEAB deve agora antecipar as consequências desta verdadeira bomba atómica que começa a abanar todos os pilares do antigo sistema: a moeda internacional tal como a conhecemos, os mercados financeiros tal como os conhecemos, os Estados Unidos tal como os conhecemos, a aliança ocidental tal como a conhecemos, o governo mundial tal como o conhecemos, a democracia tal como a conhecemos, etc.

"Crise sistémica global: o fim do Ocidente tal como o conhecemos desde 1945" 

Gostaríamos agora de regressar à antecipação histórica do GEAB, realizada por Franck Biancheri em fevereiro de 2006, que anunciava o início de uma crise sistémica global sob o título "o fim do Ocidente tal como o conhecemos desde 1945" [1] . Este mundo ocidental teve portanto nove anos para se desmantelar (ou 7 anos, se situarmos o início desse processo na crise do sub-prime em 2008, como será rigoroso fazer) … Durante estes nove anos, o GEAB fez um trabalho pedagógico sobre a crise, com o objetivo claro de contribuir para revelar todas as soluções que existiam para sair o mais rapidamente possível da mesma e o menos dolorosamente possível. Aparentemente, fora o trabalho realizado pelos BRICS que, como foi igualmente antecipado pelo GEAB, se dispuseram à tarefa enorme de criar as bases do mundo de amanhã, o mundo ocidental tem feito, por sua vez, aqui e ali, alguns esforços cujos sinais percebemos, mas, neste final de 2014, e por causa da enorme destabilização causada pela rutura das relações euro-russas na crise ucraniana, temos alguma dificuldade em projetar um cenário positivo para o ano que se avizinha.

O ano de 2015 vai consagrar o colapso completo do mundo ocidental tal como o conhecemos desde 1945. O que será um enorme furacão, que irá rebentar e fazer tremer todo o planeta, mas os pontos de rutura situam-se no "Porto do Ocidente", que não é já um porto há muito tempo mas que se vai revelar em 2015 ter sido, de facto, o olho do ciclone, como não deixámos de repetir desde 2006. Quando alguns barcos se preparavam para se fazer ao largo, a crise ucraniana teve como efeito fazer regressar alguns desses barcos ao porto, amarrando-os firmemente. Infelizmente, é o próprio porto que faz agitar os barcos e são aqueles cujas amarras são mais sólidas que irão naufragar primeiro. Estamos a pensar, naturalmente, na Europa, em primeiro lugar, mas também em Israel, nos mercados financeiros e no governo mundial.

É a paz que está em jogo, uma paz que não é mais agora que uma palavra vã. Perguntemos à China, à Índia, ao Brasil, ao Irão, etc., se o Ocidente transmite ainda alguma imagem de paz. Quanto aos valores democráticos, aquilo que nós mostramos faz mais de papel de timbrado que de modelo… ao ponto do princípio universal da democracia ter sido incluído no conjunto de conceitos culturalmente relativizáveis e ter acabado por servir agendas antidemocráticas de toda a espécie, na Europa e noutros sítios. Não é, portanto, o princípio da democracia que causa problemas (é necessário sim, pelo contrário, reinventar modos para a sua aplicação, em conjunto com os novos poderes emergentes), mas a incapacidade dos ocidentais em adaptar a sua realização às novas características da sociedade (emergência de entidades políticas,  de facto,supra nacionais, a internet que transforma a estrutura social).

A crise petrolífera é sistémica porque está ligada ao fim da era do tudo-petróleo 

Regressemos também por um instante às principais características desta crise sistémica petrolífera tal como a analisámos. Muito resumidamente e de forma a salientar a natureza sistémica desta crise, para melhor assentar o seguimento das nossas antecipações, é o sistema de governo mundial do mercado do petróleo, a  OPEP , que foi atingida. Os Estados Unidos, que eram os seus governantes até cerca de 2005 [2] , viram chegar os emergentes cujos níveis de consumo os tornavam inevitavelmente co-governantes.
Tornava-se necessário agir sobre estas mudanças através de uma reforma do sistema anterior de governo, de modo a colocar todo o mundo no mesmo clube. Em vez disso, apavorados com a ideia de um aumento do preço do petróleo ao qual a economia americana, totalmente dependente desta matéria-prima (contrariamente à Europa), por não ter investido de forma significativa e coordenada nas energias renováveis, não seria capaz de resistir, os Estados Unidos decidiram romper qualquer lógica de coordenação mundial criando um mercado concorrente, o mercado do xisto, destinado a fazer baixar os preços. Sabemos, infelizmente, as consequências de uma competição em matéria de acesso aos recursos energéticos… a Europa, pelo menos, deverá sabê-lo [3] .
Com esta rutura maior combina-se uma outra tendência, muito pouco falada nos media atualmente, a do fim do petróleo como fonte principal de energia da economia mundial. E é este segundo factor que torna a situação atual completamente incontrolável. Os preços abrandam porque a era do petróleo está a terminar e ninguém pode fazer nada. Nós já o antecipámos há muitos meses [4] : a China equipa-se com um parque automóvel completamente elétrico [NR] [5] , e, ao fazê-lo, fará passar o parque automóvel mundial para eletricidade: uma vez que a tecnologia exista e que a massificação seja inevitável, todos irão passar para o elétrico. Nós antecipámos que esta transformação se daria em 10 anos e que em 5 anos o ponto de inflexão em matéria de consumo seria atingido. Já passou um ano, ou menos, desde essa antecipação. E os especuladores começam a definir um horizonte de quatro anos [6] .

Na realidade, o "pico do petróleo" é o que o LEAP chama de "antecipação de sucesso": colocá-lo em perspetiva permitiu "evitar" o problema. O medo de uma penúria e de uma explosão dos preços, boas a más estratégias de contornar a situação (renováveis e xisto), tudo combinado com a crise económica e, por fim, uma agenda ecológica que verificamos ter sido ativamente retomada este ano [7] , o mundo está "pronto" a encerrar a era do petróleo…com a exceção dos atores cuja existência está ligada a esta matéria-prima e que se vão fazer ouvir violentamente antes de desaparecer.

Mas mais uma vez, os nossos leitores que não me interpretem mal: o petróleo continuará por muito tempo a ser utilizado para fazer girar os motores e fábricas do mundo (ele tem mesmo muitos anos pela frente já que o risco de escassez foi adiado por muitas décadas), mas a "era" do petróleo soberano termina e isso constitui uma mudança sistémica.

Na parte Telescópio, desenvolveremos as consequências da crise sistémica petrolífera sobre os mercados financeiros em particular. Os mercados financeiros, que bem "resistiram" a seis longos anos de crise, sufocando nos seus braços mecânicos a economia real e mostrando como eram o cerne do problema, não irão sobreviver ao choque que se avizinha, por um lado, da indústria petrolífera, ator central, e do outro lado do dólar, instrumento principal do planeta financeiro. Mas outras bombas estão preste a explodir – como se estas não fossem suficientes….
[1]   Fonte :  LEAP/Europe2020 , 15 de fevereiro de 2006
[2]  Na realidade o início da subida dos preços do petróleo data de 2003 e é em 2006 que essa subida se torna explosiva. Mas 2005 é uma data recorrente quando se analisam as subidas das tarifas em termos do consumo dos países emergentes em vez dos caprichos da geopolítica do Médio Oriente, e de maneira geral quando se observa o progressivo poder dos emergentes.
[3]  As duas guerras mundiais do início do século XX estão intimamente ligadas à disputa pelo acesso aos recursos energéticos (fonte:  Cambridge Journals , 09/1968), razão pela qual as Comunidades europeias no final da Segunda Guerra mundial nasceram pela partilha dos recursos, seja a CECA (fonte :  Wikipedia ), um projeto que se tornaria um dos fios condutores da construção europeia até a crise ucraniana revelar o nada absoluto que rege a Europa em matéria de política comum energética. E dizem alguns que sofremos de demasiada Europa!! A construção europeia parou na realidade em 1989…ocupada a regulamentar o tamanho dos pepinos e a liberalizar tudo o resto " l'Europe du concombre "…
[4]   Nas nossas recomendações de janeiro (GEAB Nº 81) com o título "A China passa para o elétrico". Fonte : LEAP/E2020 , 15/01/2014
[5]   Fonte :  Bloomberg , 09/02/2014
[6]   Para aqueles que duvidam da realidade desta evolução, a decisão recente e incrível da Alemanha (incrível, porque completamente contra-intuitivo com o atual declínio dos preços do petróleo) para apostar tudo nas energias renováveis  e colocar no mesmo saco tudo o que é petróleo- gás-carvão-nuclear para se livrar deles. Fonte:  Deutsche Welle , 01/12/2014
[7]   Notamos no mês passado resultados muito concretos em termos de compromissos de redução de emissões de CO2, incluindo dos Estados Unidos, sob a liderança dos chineses. E, embora a Cimeira de Lima não pareça produzir muitos resultados, é principalmente porque os países pobres fazem questão de continuar a acreditar que são os dólares do Ocidente que irão financiar a sua transição energética. Mas no fundo, a agenda ambiental é muito dinâmica neste momento, principalmente porque coincidiu pela primeira vez com os objetivos estratégicos da primeira (ou segunda) potência mundial, a China.

[NR] O prognóstico é absurdo e disparatado.   Os veículos eléctricos nunca poderão substituir "completamente" os parques automóveis existentes.   Os autores confundem energia primária com energia final, como se tudo fosse a mesma coisa.   É compreensível que em cidades mais poluídas os chineses também estimulem a utilização de veículos eléctricos, mas é um disparate rematado prever que alguma vez estes pudessem substituir uma parte significativa do parque automóvel existente.   O disparate é ainda mais agravado quando os autores estendem o raciocínio ao mundo todo.   Uma das soluções para o esgotamento do petróleo, que está a ser promovida na China e em muitos outros países, é o metano.   Em Maio/2014 a China dispunha de 3.327.500 veículos a gás natural, tanto na sua forma comprimida (GNC) como liquefeita (GNL), bem como de 5730 postos de abastecimento de GNC e GNL   (Fonte: Gas Vehicle Report, Dez/2014 ), 


[*] Global Europe Anticipation Bulletin.

A versão em português encontra-se em geab.eu/pt-pt/... 


Este comunicado público encontra-se em http://resistir.info/ .