terça-feira, 17 de maio de 2011

PARA REFORMULAR O CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS NA UFPA, Alex Fiúza de Mello

PREMISSA GERAL:

A finalidade de um curso de graduação, na atualidade – a considerar as tendências mundiais da educação superior –, é fornecer ao estudante universitário a oportunidade de um alargamento de sua visão de mundo e de sua consciência crítica da realidade, assim como uma sólida iniciação no campo de conhecimento de sua opção (profissional), com foco no domínio de seu objeto de interesse, principais teorias em uso, conceitos básicos e manejo de metodologias afins. Dado o avanço, volume e produtividade do conhecimento no mundo contemporâneo, impossível e ilusório seria imaginar que um curso de graduação poderia habilitar um estudante, em poucos anos, ao domínio de qualquer campo ou ramo deste arsenal de conhecimentos acumulado e em permanente e exponencial expansão. O objetivo da formação superior, portanto, neste primeiro momento, não é (não deveria ser) a especialização do discente – nível de conhecimento que deverá adquirir ao longo da vida e posteriormente em cursos de pós-graduação –, mas a sua preparação básica e consistente no manejo de teorias e métodos, condição sine qua non ao desenvolvimento de capacidades cognitivas que o habilitem não somente ao exercício de uma profissão, mas, igualmente, à aquisição de uma visão de mundo mais sofisticada, imaginação criativa, desempenho analítico, espírito empreendedor e sentido de cidadania – com desenvolvimento de autonomia intelectual para outras iniciativas, atualização e aperfeiçoamento. Além disso, uma imersão do aprendiz em temas e desafios intelectuais afinados com alguns dos problemas típicos de seu contexto de entorno também se apresenta como uma boa estratégia de complementação à sua formação universitária – assim expressas, em suma, as principais linhas norteadoras de referência para uma reformulação mais realista e conseqüente de projetos pedagógicos que mirem uma maior eficácia educativa e correspondente pertinência social.

FOCO ESPECÍFICO:

Um curso de graduação em Ciências Sociais, num país como o Brasil e numa região como a Amazônia, para ser atual e socialmente relevante, necessita oferecer uma cadeia de conteúdos que, minimamente, familiarizem o estudante: 1) com os principais paradigmas (autores e sistemas teóricos) de seu universo de reflexão e atuação; 2) com algumas das principais temáticas da atualidade, em discussão no cenário mundial; 3) com alguns dos problemas mais específicos de seu ambiente social de vínculo (Brasil e Amazônia); 4) e com as metodologias de investigação e análise dos fenômenos sociais. Nessa trajetória, não importa tanto a quantidade (volume) das matérias ou conteúdos programados, quanto a qualidade do material selecionado (autores, teorias, temáticas) para o exercício intelectual pretendido e o método de aprendizagem (ensinar o estudante a “aprender a aprender”). A idéia do perfil do bacharel/licenciado em Ciências Sociais – propositalmente não o denomino aqui de “cientista” – deve remontar, no caso, à do profissional capaz de se posicionar diante dos fenômenos sociais, interpretando-os com lucidez, sensibilidade e consistência, e de interagir com essa mesma realidade, manuseando com competência os instrumentos cognitivos assimilados, seja para fins de instrução, de investigação ou de intervenção, com sensibilidade para as especificidades manifestas de seu ambiente social de circunscrição.

AS LIMITAÇÕES E EQUÍVOCOS DO ATUAL PROJETO PEDAGÓGICO:

O principal defeito do projeto pedagógico atualmente em vigor é pretender uma especialização precoce (e ilusória) do estudante, submetendo-o a uma verdadeira “departamentalização” de sua formação cognitiva, antes mesmo de um domínio mais abrangente de seu universo epistêmico de referência, tudo isso na contramão da tendência mundial de resgate da interdisciplinaridade e da busca de uma maior interconexão entre os saberes e campos de conhecimento. O resultado final de tudo isso tem sido uma formação fragmentada, falsamente “profissionalizada”, com perda de um back ground básico e comum que deveria unificar todos os estudantes do curso (independentemente de suas preferências profissionais), além do isolamento e distanciamento entre os diversos grupos acadêmicos em atuação (c. política, sociologia, antropologia), que deveriam planejar e avaliar, conjunta e continuamente, o andamento dos trabalhos e das experiências pedagógicas em curso. Mas, ao que parece (e infelizmente), não há cultura de planejamento, nem de avaliação coletiva. Muito menos colegialidade. O trabalho de cada docente se desenvolve isolado, ilhado, sem espaço dialógico. Nesta situação, impossível atingir-se a qualidade. Tal observação, claro, está sujeita a demonstração em contrário (falseação), mas considero tratar-se, a afirmação, de uma evidência empírica de domínio coletivo. Talvez as estruturas de uma classificação curricular, elaborada por uma determinada coletividade, também expressem valores e interesses mais subjacentes e menos evidentes aí simbolizados – como poderia inspirar uma interpretação durkheimiana do caso –, como podem ser aqueles motivados por perspectivas outras que não as estritamente acadêmicas, de cunho mais corporativo, como a busca das autonomias de grupo, jogos de poder, reservas de mercado, etc. No mínimo, trata-se de uma hipótese que merece ser refletida e observada (afastados os idola e outras impressões e “achismos”). Somente a reversão dessa cultura departamentalizada e fragmentada, predominantemente corporativa, com resgate da colegialidade entre todos os docentes do curso e a centralidade do interesse coletivo no estudante (no formando e não no formador), poderá promover uma verdadeira e producente reforma curricular, com ganho para os futuros profissionais das ciências sociais em nosso estado e região.

UMA NOVA ESTRUTURA CURRICULAR:

A idéia é dividir o percurso de formação em 4 (quatro) etapas, com eliminação das disciplinas mais especializadas (tipo sociologias do direito, da infância, rural, urbana, etc. e outras equivalentes nos demais campos de conhecimento). Todos os professores do curso poderão ministrar qualquer disciplina da graduação, desde que decidido colegiadamente, considerada a formação do docente e o seu domínio da matéria. As etapas seriam as seguintes:

1) Um ciclo básico, introdutório, destinado, de uma parte, a um nivelamento dos estudantes (minimização dos problemas de formação trazidos da escola, particularmente o sentido do estudo e suas formas adequadas de condução); de outra, ao desenvolvimento de competências mais gerais e instrumentais, voltadas à capacitação do estudante no manejo de ferramentas comuns de trabalho intelectual e à sua formação valorativa, tais como: a) aperfeiçoamento na interpretação de textos e sua análise crítica; b) habilitação no uso de computadores e seus programas acadêmicos (acesso a bibliografia, biblioteca, portal da CAPES, textos disponíveis na internet, etc.); c) reflexão sobre temas mais transcendentes à sua formação profissional, como: ética; introdução às ciências sociais (desenvolvimento da imaginação sociológica); formação do mundo contemporâneo (sentido da história do mundo moderno/contemporâneo), etc.; d) iniciação ao estudo de uma língua estrangeira (preferencialmente o inglês instrumental).

[Tempo de Duração: 2 semestres letivos]

2) Um ciclo de estudos centrado na familiarização com a Teoria Clássica (estudo de autores e sistemas teórico-conceituais clássicos): basicamente Marx, Durkheim e Weber, além de outros, de tradição mais “antropológica” (Malinowski, Mauss, Boas, Radcliffe Brown, etc.) ou da ciência política (Maquiavel, Hobbes, Locke, Montesquieu, Michels, Mosca, etc.) – a definir. Em todos os casos, o importante não é formar os estudantes como “especialistas” desses autores ou teorias (o que seria impossível), mas utilizar toda essa tradição para trabalhar nos discentes a imaginação sociológica, o domínio de conceitos-chave de seu universo epistêmico, as perspectivas de análise, a sensibilização para os problemas levantados pelos autores (sua finalidade heurística), a fim de que se sintam mais à vontade e seguros em sua trajetória subseqüente de formação.

[Tempo de Duração: 2 semestres letivos]

3) Um ciclo de estudos voltado para a análise de temáticas contemporâneas, que habilitem o estudante a se situar criticamente no mundo onde vive e a dominar conceitos atuais para sua instrumentação teórica. Aqui o foco é em temas (e não tanto em autores ou perspectivas teóricas), razão por que as ofertas e opções podem (e devem) variar ao longo do tempo, mantidos os objetivos indicados. Exemplos de cursos possiveis, a título de ilustração da idéia: a indústria cultural (Adorno e Horkheimer); a mercadoria e o dinheiro (Marx e Simmel); globalização e sistema capitalista mundial (Wallerstein, Arrighi, Anderson); as conseqüências da modernidade (Giddens, Harvey); a sociedade pós-industrial (Bells, Touraine); a sociedade da informação/conhecimento (Schaff, Bells, Castels); democracia e espaço público (Habermas, Bobbio), etc. O objetivo, nesta etapa, é a leitura completa, atenta e orientada de algumas obras fundamentais (um ou dois livros no máximo por disciplina-temática) que descortinem alguns aspectos e dimensões essenciais da estruturação e dinâmica do mundo contemporâneo.

[Tempo de Duração: 2 semestres letivos]

4) Um ciclo de estudos optativos, momento em que devem ser ofertados, pelos vários grupos acadêmicos (c. política, sociologia e antropologia), disciplinas, seminários ou laboratórios sobre temas variados, particularmente aqueles voltados para a realidade brasileira e amazônica, além de estudos dirigidos e outras estratégias de formação. Caberá ao estudante escolher, dentre as ofertas programadas, aquelas que lhe interessem cursar. O discente poderá, também, requisitar a freqüência em cursos, seminários ou atividades de outras unidades acadêmicas, permitindo-se essa diversificação de sua formação em vista de uma maior percepção interdisciplinar.

[Tempo de Duração: 2 semestres letivos]

OBSERVAÇÕES COMPLEMENTARES:

- Ao longo de todo o curso o estudante deverá realizar estudos em língua estrangeira (à exceção dos que já o fazem em escolas especializadas).

- Ao longo de todo o curso, caberão iniciativas de orientação tutorial (individuais ou grupais) por parte dos docentes, visando ora um melhor aproveitamento de estudos, ora leituras dirigidas, devendo essas atividades (planejadas e aprovadas no Conselho da Faculdade) contabilizar na carga horária de formação dos discentes e no plano de trabalho dos docentes.

- A partir do terceiro ciclo de estudos (quinto semestre), deverão todos os estudantes participar de seminários e/ou laboratórios de pesquisa, até a formulação e conclusão de seu TCC. Idem no que toca à sua participação em projetos ou atividades de extensão. Para isso, há de se reservar tempo suficiente, em cada módulo de oferta semestral, para o desenvolvimento dessas atividades.

- Não haverá pré-requisitos entre disciplinas ou atividades. As atividades de um ciclo de estudos poderão ser compatibilizadas com algumas de outros ciclos, desde que seja priorizada e assegurada, na matrícula, a complementação dos estudos previstos no ciclo ainda não concluído. Isto não impede que as ofertas possam ser através de módulos ou disciplinas/atividades concentradas, conforme a estratégia que se julgar mais conveniente e eficaz.

- A carga horária de estudos em cada semestre letivo será de escolha do estudante (conforme seus interesses e possibilidades), devendo haver, porém, uma carga horária máxima e uma mínima a ser respeitada (em conformidade com a legislação em vigor).


RESUMO DA PROPOSTA:


I – Curso com duração de 4 anos ou 8 semestres letivos.

II – Formação generalista e não especializada.

III – Distribuição do percurso de formação em quatro ciclos distintos de estudos.

IV – Formação em teoria, métodos de investigação e temáticas selecionadas, com experiência em iniciação científica e em atividade de extensão (serviço comunitário).

V – Maior flexibilidade de matrícula.

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