sexta-feira, 20 de maio de 2011

suspensão do processo de licenciamento da UHE Belo Monte


Brasília, 09 de maio de 2011

Excelentíssima Sra. Dilma Vana Rousseff

Presidente da República Federativa do Brasil
Brasília, DF, Brasil
Fone: (61) 3411.1200 / 3411.1201
Fax: (61) 3411.2222
E-mail: gabinetepessoal@presidencia.gov.br

Assunto: Preocupação com o adequado cumprimento dos dispositivos legais relativos aos direitos humanos e ambientais - suspensão do processo de licenciamento da UHE Belo Monte.

Prezada Presidente,

Por meio desta, nós, profesores, pesquisadores, cientistas e intelectuais brasileiros, abaixo assinados, vimos manifestar a V. Excia nossa extrema preocupação com o licenciamento do Complexo Belo Monte, marcado por recorrentes conclames de descumprimento de procedimentos legais e de acordos internacionais estabelecidos, especialmente referentes aos direitos das Comunidades Tradicionais e Povos Indígenas. E solicitar a suspensão do processo de licenciamento pelas razões que a seguir declinamos.
Diversos fatos ocorridos após as intempestivas concessões da Licença Prévia nº 342/2010, em 01 de fevereiro de 2010, e da Licença de Instalação nº770/2011, em 26 de janeiro de 2011, suportam a nossa preocupação. Notadamente, aqueles que dizem respeito às medidas cautelares (MC-382-10) da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos; e ao não cumprimento das pré-condições estabelecidas pelo próprio IBAMA para o licenciamento (66 condicionantes - 26 relacionadas aos Povos Indígenas).
A rigor, desde as audiências públicas realizadas em 2009, um Painel de Especialistas de diferentes formações, após realizar análise minuciosa dos Estudos de Impacto Ambiental, chegou à conclusão de que os impactos socioambeintais e a viabilidade da obra não estavam adequadamente avaliados. Sobre os povos indígenas e comunidades tradicionais da região alertou que os impactos não se limitam de maneira alguma à chamada “área diretamente afetada”, podendo atingir seriamente os recursos ambientais e as condições de vida e bem estar de diversas coletividades (indígenas e não indígenas) situadas no trecho de 100 km da Volta Grande do Xingu, gravemente afetada pelo barramento de Pimental.
Em 15 de setembro de 2010, o Relator Especial da Organização das Nações Unidas sobre a situação dos direitos humanos e liberdades fundamentais dos Povos Indígenas, James Anaya, já havia observado que “dada a magnitude do projeto Belo Monte e seus potenciais efeitos sobre as populações indígenas, é necessária a realização de consulta adequada a estes povos para obter um consenso sobre todos os aspectos que os atingem” (Human Rights Council Fifteenth Session. Report by the Special Rapporteur on the situation of human rights and fundamental freedoms of indigenous people, James Anaya, A/HRC/15/37/Add.1, p.35, parágrafo 53).
A decisão da CIDH é claramente respaldada por outras instituições brasileiras, inclusive pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados (07 abril de 2011) e pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal (05 de maio de 2011). E,
vem ao encontro dos questionamentos realizados pelo Ministério Público Federal, mediante o ajuizamento de nove Ações Civis Públicas, cujo mérito aguarda julgamento no Tribunal Regional Federal (TRF1).
No mesmo sentido, a Associação Brasileira de Antropologia tem propugnado pelo cumprimento da legislação concernente aos direitos dos povos indígenas, especialmente o direito à consulta prévia segundo procedimentos legítimos e probos (ver dossiê Belo Monte em www.abant.org.br).
Na mesma direção, o III Encontro Latinoamericano Ciências Sociais e Barragens realizado em Belém em dezembro de 2010, com a participação de 700 pessoas oriundas de varias áreas de conhecimento (aproximadamente 100.000 pessoas consultaram o site nos quatro dias do Encontro) , aprovou em plenária final uma carta com princípios de resguardo aos direitos constitucionais referidos às populações tradicionais, indígenas e não indígenas, e às garantias de integridade dos territórios como parte constitutiva desses direitos.
No que diz respeito ao cumprimento das condicionantes, o Conselho Nacional de Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), órgão consultivo do governo, relatou à ministra da Secretaria de Direitos Humanos (SDH), uma situação de crise política e de violação de direitos sintetizada na frase: "ausência absoluta do Estado” (13 de abril de 2011, veja:Situação similar foi constatada em Diligência realizada pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal - na cidade de Altamira, em 16 de abril de 2011, em cujo relatório há denúncias de abuso de autoridade, invasão de propriedade, além de situações de insegurança e tensão.
Igualmente, o Grupo de Trabalho Povos Tradicionais, Meio Ambiente e Grandes Projetos, da Associação Brasileira de Antropologia, divulgou a ocorrência de graves conflitos e tensões que, associados ao modo como vem se processando o licenciamento, implicam o deslocamento compulsório de povos tradicionais, alheio a qualquer programa ou política de compensação; e ameaça de morte a lideranças indígenas. (v. Conflitos e Tensões em Altamira: Primeiros Efeitos do Licenciamento “Parcial” de Belo Monte, 8 de maio de 2011, www.abant.org.br).
Não obstante este contexto, vem sendo noticiado na imprensa nacional, mediante informação atribuída ao Ministro das Minas e Energia, que a Licença Instalação definitiva será concedida até junho de 2011 (http://oglobo.globo.com/economia/mat/2011/05/06/lobao-diz-que-mesmo-com-criticas-belo-monte-sera-construida-prosseguiremos-924401398.asp#ixzz1Ltgr4faN).
Senhora Presidente, considerando o exposto, solicitamos respeitosamente a suspensão do processo de licenciamento da UHE Belo Monte, até que sejam cumpridas as condicionantes recomendadas pelo órgão regulador, seja julgado o mérito das ações civis públicas ajuizadas, seja asegurado o direito dos Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais, seja asegurado, enfim, o respeito aos direitos humanos e ambientais consagrados na Constituição Brasileira e em Tratados e Convenções Internacioanis, dos quais o Estado brasileiro é signatário.

Muito Cordialmente,

Enviada por:
Profª. Drª. Edna Castro
Professora e Pesquisadora na UFPA/NAEA
Universidade Federal do Pará
Núcleo de Altos Estudos Amazônicos – Sala 208
Rua Augusto Corrêa, nº 1 – Cidade Universitária Prof. José Silveira Neto – Guamá
Setor Profissional CEP: 66075-900 Belém-Pará-Brasil
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